Pé-de-Cachimbo

iê-iê-iês from the crypt

sábado, junho 02, 2007

 
ESTADO DE GRAÇA

Sim, era pra eu - a esta hora (09:27) - estar a caminho do banco, pra corrigir o meu cadastro do PIS/PASEP e tentar finalmente dar entrada no meu FGTS (detalhe: eu só fui descobrir esse erro - a falta do sobrenome "Pôrto" - há pouquíssimo tempo. Até aí eu fiquei sendo jogado entre a empresa pagadora e a Caixa Econômica diversas vezes até que me esclarecessem de vez esse ridículo senão).Mas minha motivação pra escrever agora é muito diversa desse conteúdo. Reconheço que desde já ela está fadada ao fracasso pois já sinto a cabeça apertar os laços que levam-me a um estado de cansaço e fadiga. Mas há poucos instantes atrás eu estava numa espécie de êxtase místico - e químico - de felicidade. Vou tentar relatar uma sucessão de fatos pra ver se chego a entender melhor como se deu esse estado de espírito tão perseguido e - talvez por isso mesmo - tão pouco usual hoje em dia. Sim, porque lembro de "estados de graça" na minha infância daqueles que só pirralha bola como eu era é capaz de prolongar por... um dia inteiro, quem sabe...

*****

Ainda entorpecido pela combinação química que uma descarga adrenalina provoca no organismo juntamente com plaft-pluft, levei Luna pro Colégio (que foi à contragosto, como sempre) de táxi, pois caso contrário chegaríamos muito atrasados por causa da tarefa que ela ainda teve que acabar e da sua sandália que teimava em não aparecer e da preguiça que se apodera dela ao acordar (ainda mais quando o motivo é Colégio) e tantos outros pormenores. Com algumas induções a mudanças de perspectiva linguísticas (leia-se: a tal da "parla" de pai) consegui fazê-la colaborar um pouco com o processo e enfim sairmos de casa.
Ao chegar no ponto de táxi da esquina, haviam dois táxis parados (um à frente e acima da calçada e o outro, logo atrás, numa faixa da pista, encostada à calçada). Fiquei sem saber com qual dos dois fosse, pois conheço os dois motoristas (mais como profissionais do que como "pessoas") e não tenho impressões muito agradáveis a respeito do que estava à frente (sentado dentro do carro lendo jornal). Primeiro que o carro do cara dá medo, parece até que vai desmontar tamanha é sua "desregulagem". Pra dar uma idéia mais apurada do estrago, o cara até outro dia só conseguia sair com o carro fazendo "ligação direta"... é sério ! Às vezes ele pedia pra eu ir com outro taxista porque simplesmente não conseguia dar partida. Até aí tudo bem, dar trato em automóvel é um troço caro mesmo e a profissão de taxista não é lá das mais lucrativas. Compreensível. Mas não bastasse isso, o cara é meio "entrão" tanto verbalmente falando quanto no trânsito. Bem... eu poderia falar bem mais sobre esse sujeito mas não queria dar-lhe tanto foco neste relato. Voltarei à linha narrativa...
Fiquei meio constrangido, claro, em pegar o taxista de trás e simplesmente soltei no ar um "de quem é a vez?". O taxista que estava com o táxi estacionado atrás - mas estava fora do carro, encostado num poste de esquina à frente do primeiro táxi - pareceu querer eximir-se da resposta, pois o colega de que estava à frente provavelmente ficaria puto por ele ter-lhe "roubado a vez" e perguntou se Luna era um menino, parecia estar querendo reparar esse erro perceptivo (de achar que Luna era uma menina). Daí falei que não, ela era uma menina... - menino ?... não. menina.(devo ter falado umas três vezes "menina" mas ele só escutou na terceira vez).Tudo isso em breves segundos... entrei no "carro fudido" mesmo com Luna, respirei meio constrangido por provavelmente o outro taxista ter também ficado assim... e porque simplesmente é constrangedor o cara achar que uma menina é menino simplesmente porque o pai usa cabelo grande e passaria seu legado à frente... argh(*&(*&.. Pode até não ter sido nada disso mas acabou soando-me assim.
Deixei Luna na sala dela - dessa vez ela não ficou relutando que seus colegas a vissem...
Daí, ao lembrar-me que tinha que comprar uma pasta (daquelas de colocar "papel de carta") que a professora dela pedira, dirigi-me à livraria Modelo, na Rui Barbosa, lentamente, pois deduzia que ainda não havia dado oito horas e esse seria um provável horário em que a encontraria aberta. Peguei o lado da calçada que havia sombra... na verdade a rua inteira parecia estar à sombra.
Daí começou um certo processo de percepção diferenciado. Alguma pureza adormecida acordou, de alguma forma. A beleza plástica das casas, das árvores, e até de algumas pessoas, misturava-se a uma certa sensação de justiça. Como se ao mesmo tempo em que guerras pipocassem por todos os lados do mundo, tudo estivesse em seu devido lugar. Volto a repetir. Não avistei nenhum elefante verde. Ao dobrar a esquina, senti o sol forte cobrir-me e entreguei-me a ele sem o incômodo costumeiro. Cada pequeno objeto parecia dotado de luz própria e de uma beleza radiante. As casas ao lado da livraria alegraram-me mais ainda. Casas geralmente costumam me alegrar. Já estava quase à porta da Modelo, pronto pra desfazer aquele estado de espírito em detrimento de alguma "necessidade de consumo" da vida moderna quando um rapaz que estava dentro da loja acenou-me com oito dedos de suas mãos, sinalizando o horário em que as portas abririam. Daí, perguntei-lhe quantos minutos faltavam, gesticulando/apontando pro meu pulso. Ele abriu a porta de vidro e respondeu "sete". OK. Tudo bem. Vejamos... Olhei pro outro lado da avenida e avistei a Praça ... esqueci o nome. Enfim... aquela que fica em frente do Clube Português. Ela era uma grande intersecção de conjuntos sombra. Atravessei, sentei-me no banco e fiquei olhando a paisagem. Não estava de forma alguma aborrecido. Pelo contrário, cheguei a pensar em ficar a manhã toda ali. Contemplando. Simplesmente não queria quebrar tal estado de espírito. Não deixei-me abalar pelos olhares desconfiados das pessoas que passavam na rua, ou que estavam paradas naquelas redondezas. Elas podiam achar o que quisessem, mas imaginei que a minha expressão pudesse denunciar alguma honestidade extrema. Corri meus olhos por aquele casarão e achei ele mais belo do que nunca. Naquele instante não existia a empresa, não existiam trabalhadores assalariados e chefes e obrigações mil, mas simplesmente estava eu defronte de um lugar mágico onde minha imaginação levava-me, as portas estavam abertas, tudo era belo e bom e apto à brincadeira. Até mesmo quanto ao que havia dentro da loja, não existia nenhuma concepção de consumismo, capitalismo, relações de poder. Não que eu me eximisse voluntariamente de pensar sobre o assunto. Simplesmente eu havia aderido a uma lógica diferente: sair de casa e procurar a beleza no mundo lá fora, saber exatamente pra onde ir quando a percepção começar a cansar e voltar aos vícios perceptivos.

(texto inacabado de 31.10.2006)

Esse tal estado de graça ainda se prolongou durante todo o caminho que fiz pela rua do Jaime da Fonte, indo pelo caminho da Maurício de Nassau, dobrando no quartel do Derby, passando pela FUNDAJ (onde minha parada pra contemplar o Capibaribe já daria outro post)... mas acabei deixando o texto pra lá.

 


Arquivos

06/01/1990 - 07/01/1990   05/01/2003 - 06/01/2003   07/01/2003 - 08/01/2003   08/01/2003 - 09/01/2003   09/01/2003 - 10/01/2003   10/01/2003 - 11/01/2003   11/01/2003 - 12/01/2003   12/01/2003 - 01/01/2004   01/01/2004 - 02/01/2004   02/01/2004 - 03/01/2004   03/01/2004 - 04/01/2004   04/01/2004 - 05/01/2004   05/01/2004 - 06/01/2004   06/01/2004 - 07/01/2004   08/01/2004 - 09/01/2004   09/01/2004 - 10/01/2004   10/01/2004 - 11/01/2004   11/01/2004 - 12/01/2004   12/01/2004 - 01/01/2005   01/01/2005 - 02/01/2005   02/01/2005 - 03/01/2005   03/01/2005 - 04/01/2005   04/01/2005 - 05/01/2005   05/01/2005 - 06/01/2005   06/01/2005 - 07/01/2005   07/01/2005 - 08/01/2005   08/01/2005 - 09/01/2005   09/01/2005 - 10/01/2005   10/01/2005 - 11/01/2005   11/01/2005 - 12/01/2005   12/01/2005 - 01/01/2006   01/01/2006 - 02/01/2006   02/01/2006 - 03/01/2006   03/01/2006 - 04/01/2006   04/01/2006 - 05/01/2006   05/01/2006 - 06/01/2006   06/01/2006 - 07/01/2006   07/01/2006 - 08/01/2006   08/01/2006 - 09/01/2006   09/01/2006 - 10/01/2006   10/01/2006 - 11/01/2006   12/01/2006 - 01/01/2007   01/01/2007 - 02/01/2007   02/01/2007 - 03/01/2007   03/01/2007 - 04/01/2007   04/01/2007 - 05/01/2007   05/01/2007 - 06/01/2007   06/01/2007 - 07/01/2007   09/01/2007 - 10/01/2007   10/01/2007 - 11/01/2007   11/01/2007 - 12/01/2007   12/01/2007 - 01/01/2008   04/01/2008 - 05/01/2008   05/01/2008 - 06/01/2008   08/01/2008 - 09/01/2008   09/01/2008 - 10/01/2008   10/01/2008 - 11/01/2008   12/01/2008 - 01/01/2009   05/01/2009 - 06/01/2009   06/01/2009 - 07/01/2009   07/01/2009 - 08/01/2009   05/01/2011 - 06/01/2011  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?