O BEBÊ DE VALENTINA
Caso Freud esteja Certo

Terminei de ler, anteontem, a obra supra-citada (e já estou relendo-a). "Hum, temos algo deveras afetado por aqui..." foi o pensamento que me passou em algum plano interpretativo ao deparar-me com as primeiras páginas - decerto porque a apropriação do surrealismo pela pop-art traduzida no universo popularesco das HQ acabe superficialmente soando assim.
Mas, na verdade, esse "pé-atrás" não passou de uma espécie de auto-defesa mesmo, perante o conteúdo provocador (e extremamente inovador) dessa "saga psicológica" de Valentina, a sexy fotógrafa sinônimo da mulher independente, criada pelo italiano Guido Crepax (que morreu ano passado com 70 anos) em homenagem a Louise Brooks, sua atriz predileta.
Digo que os quadrinhos, durante muito tempo eram a forma de expressão que mais me satisfazia (a ponto de ter em mente de forma clara, como futura profissão, ser um desenhista de HQ's... isso até meus 13 anos - a partir daí eu comecei a dedilhar um violão e questionar-me: “
Well what can a poor boy do / 'cept to sing for a rock and roll band /'cause this sleepy’Manguetown’ / Is just no place for a street fighting man”. Essa satisfação - caso Freud esteja certo -, como qualquer outra, está ligada à conteúdos inconscientes e Crepax parece fazer aflorar em mim essa relação novamente - ela que havia-se perdido juntamente com outros conteúdos de minha infância.

Daí o impacto desse "Valentina" ter sido quase que totalmente visual pra mim, pois as narrativas surreais escritas tornaram-se mais ou menos constantes em minha "idade da razão". Já com a imagem é diferente. Nunca li uma narrativa de fôlego como esta na linguagem de quadrinhos - e, diga-se de passagem, minhas leituras atuais de HQ resumem-se à tiras de jornais, que acabam sendo o "fast-food" dessa arte... Sendo assim, Valentina é um verdadeiro banquete.
Não que o texto também não exerça seu papel dentro dos "jogos psíquicos" evocados na trama/teia, mas acontece que (caso Freud esteja certo, novamente), pelo fato de nosso conteúdo simbólico ser totalmente moldado na 1ª infância (onde a linguagem articuladamente escrita ainda não desenvolveu-se) a imagem acaba catalizando as representações mais fiéis à nossa visão real de mundo, aquelas que representam os mais determinantes "imprintings" (tomo emprestado esse termo do "Revendo Leary"). Isso equivale a dizer que, de certa forma, a imagem fala mais ao nosso ID do que as palavras.
Não é porque nosso habitat natural é Maya que não devemos deixar de querer voltar ao ponto em que todo a "ilusão" com relação ao mundo foi gerada. Afinal, além do fato de olharmos através de véus, a vida tende a ser para muitos uma sucessão infindável de auto-enganos em crescente. E quebras da ordem são muitas vezes necessárias para enxegarmos as coisas - se não como elas realmente são (o que é assunto para metafísicos), pelo menos como elas constituem-se na aparência-que-acaba-sendo-o-em-si.
Site oficial: http://www.crepax.it/produz/h_prod.htm