MAPAS SUBJETIVOS
(1) Rua Joseph Tuorton
Este primeiro texto da série Mapa Subjetivo (sobre ruas, lugares olhados com as lentes de minha memória) não poderia deixar de ser sobre essa rua - apesar de hesitar um pouco, pelas inevitáveis simplificações que cometerei (que texto não comete ?) .
Morei, acho que uns nove anos de minha vida, na Rua Joseph Tuorton (ô nomezinho maldito pra qualquer pirralha pronunciar), na casa nº 247 (caso o número esteja errado, é a que fica antes do muro dos fundos do casarão das freiras paulinas, no sentido avenida norte). Por comodidade, quando alguém perguntava (ou pergunta) sua localização, eis a resposta: é a rua da Farmácia Sandra, quase de frente pro ex-Minibox (que já foi cinema, recentemente Comprebem e hoje em dia é algo que ainda não descobri).
Como vocês já devem ter percebido, ela fica entre duas grandes avenidas do Recife: a Estrada do Arraial (prolongamento da Rosa e Silva) e a Avenida Norte. O bairro... pois bem, fica entre Tamarineira/Casa Amarela/Parnamirim... acho que oficialmente deve ser Tamarineira, mas os demais também poderiam ser usados sem problemas em algum remetente - a cartas chegaria da mesma forma.
Minhas recordações desse endereço datam até 1993, quando mudei-me pra Olinda (a contragosto) e retornaria posteriormente à tão estimada rua apenas como um ávido pedestre, mendigando um pouco daquele brilho que cada mísero paralelepípedo possuía, na minha fértil imaginação infantil. Lembro das muitas brincadeiras que davam vida àquela rua tão "morgada" - comparada à Vila dos Comerciários ela era quase um sítio, tamanha era a calmaria (principalmente à noite, quando muitos evitavam passar por lá)... quer dizer, não tão calma assim... afinal de contas, existiam uma reca de guris que rompiam (juntamente com os poucos carros que trafegavam) o silêncio. Não existia hora pra gente jogar pelada na rua (arrancando impreterivelmente o "samboque" dos dedos), brincar de sete cortes, queimado, empinar pipa, fazer campeonato de botão, asa-delta (de papel, evidentemente), jogar bolinha de gude, três na linha e um no gol, comandos em ação, palymobill, esconde-esconde, cuscuz (acho que ainda hoje minhas idéias são meio afetadas pelos "babaus" que levei)... enfim, toda sorte de brincadeiras, que ocupavam nosso tempo quase integralmente - ainda sobrava algum pra ler, escrever, desenhar, ver TV, descabelar o palhaço...
Dos meus amigos, a maioria absoluta era mais velha, muitos já adolescentes: os irmãos Djalma, Léo e Luciano (meus vizinhos), Carlinhos, Romualdo, Danilo, Valdésio, Júnior, Clóvis, Adriano, Nando, Rico, Guguinha, Renato, Oreinha, Rafael... esses eram somente os da mesma rua... haviam ainda incontáveis das adjacentes. Quando juntava todo mundo o que mais surgiam eram reclamações: "se essa bola bater na minha vidraça eu furo!", "vou lavar sua boca com sabão menino!", "desce desse muro!"...
Hoje em dia, nas raras vezes em que passo por lá, pra minha tristeza, não percebo uma "renovação" de geração... até deve existir, mas os meninos hoje estão confinados em playgrounds da vida, cercados de cercas elétricas e guaritas. Confesso que isso me deixa mal, muito mal, pois esperava que quando tivesse minha idade atual e passasse por lá, viria em minha direção uma bola rolando, a qual eu chutaria, sob o agradecimento do garoto suado de correr - como tanto ocorria comigo, só que no papel inverso.