MAPAS SUBJETIVOS
(2) Rua Catulo da Paixão Cearense
Confesso que não tive a mínima dificuldade para deixar Olinda, onde morei durante cerca de um ano. Na verdade, ao contrário, senti como me livrando de um fardo quando mudei-me pro Centro.
O motivo prático pra essa atitude eram as distâncias - mas além dele existiam vários outros. Definitivamente, muitas vezes esquecemos de que Olinda é outra cidade e não um bairro do Recife e, porra, todo meu universo concentrava-se no “Recife, Tamarineira, Joseph Tourton, 247” e adjacências. Todo o meu círculo social estava vinculado ao local, e, na época, eu começava a ser habitué de várias festinhas (ou como DJ ou como simples freqüentador)... toda semana havia algum “assustado”, muitas deles com o pretexto do pessoal se encontrar, conversar, azarar, ouvir um som, dançar ... paralelo a essa “vida noturna” que começava a delinear-se (e que relacionava-se timidamente à "cultura electro/dance" - excluindo-se o lado homossexual que o termo assumiu hoje em dia), eu começava a escutar os primeiros rocks. Seja com os vinis da Legião Urbana de minha irmã, seja com fitas K7 de bandas "novas" como o Nirvana ou Pearl Jam.
O fato é que eu achava que a distância não influía tanto nas relações humanas. Até pode ser que não influa tanto... pra quem tem carro, ou simplesmente grana e saco pra gastar um valioso tempo chacoalhando em coletivos...
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Bem, acho que esses textos estão partindo pro pessoal em demasia. Mas não importa. Quem estiver incomodado pode fazer como se faz quando entramos em algum cômodo e duas pessoas estão conversando num tom que denota segredo: fazer aquela cara de "xiiii, foi mal... eu não queria atrapalhar" e simplesmente fechar a porta (aqui janela). A diferença é que, no presente caso, trata-se de um monólogo (o que certamente faria a pessoa mudar a expressão para "esse cara ainda tão novo e já tendo surtos de esclerose... tsc, tsc").
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Tenho que dizer isso. Minha vida foi interrompida por um corte brusco. Coincidiu de ser no começo de minha adolescência, coincidiu de ser numa época que já costuma ser conturbada por si só. Mudanças corporais aliadas a mudanças de valores, aliados por vez à mudança de lar - justamente daquele que, pra mim, mais se aproximava do âmago desse conceito, ou seja, "a mais perfeita reconstituição do útero materno". Foi outro parto. Não exagero. Comecei a sentir-me desconfortável com as coisas. Antes eu era alguém em concordância com o mundo. Teve principalmente o rock pra me ajudar a direcionar a raiva (temo que ele tenha criado uma parte dela também...), esse verdadeiro professor de melancolia e rebeldia. O futuro, que antes era algo delineado (minimamente, mas delineado), que reservava reviravoltas sempre no sentido ascendente das escalas (sociais, econômicas, de inteligência...), rompeu suas vidraças com o grito de um Johnny Rotten da vida: "There's noooo future for youaaaaaaaaaaahahahahahahah....". Foi um período difícil que determinou o rumo (ou a falta de um) em minha vida.
Mas, falando desse jeito, até parece que minha vida acabou depois que me mudei pra Olinda. Também não foi bem assim... Saí do humilde Colégio Santa Catarina pro Colégio Dom Bosco (duas ruas atrás de minha casa e não tão humilde assim), nessa fase de insegurança, com a anti-sociabilidade beirando o extremo (que só foi mesmo atingido na época do Contato)... Foi nessa época que conheci aquele que seria, dos meus amigos mais “constantes” (houveram algumas fases de distanciamento, claro... afinal de contas, quando me mudei, ele permaneceu nas Olinda), o Senhor Bruno Arrais – companheiro de sons, histórias e, mais recentemente, de sorvete de nata goiaba (hehehe).
O endereço, por sua vez, denotava paz de espírito e calmaria, pela configuração quase bucólica do espaço - rua de terra batida, campinho de futebol, pracinha, nenhum resquício de grandes edifícios... a casa, bem... havia nela um proeminente jardim, com uma rede pra se espreguiçar... tudo bem que tinha meu avô definhando em cima de uma cama, mas o clima do local era bastante agradável.
Hoje em dia estou fazendo um “re-imprinting” de todas essas impressões a respeito de Olinda. De repente, algum dia até volto a morar lá, em outro contexto, em uma nova vida, com um olhar menos cinzento do que antigamente.