Pé-de-Cachimbo

iê-iê-iês from the crypt

terça-feira, outubro 26, 2004

 
ISSO

Gabriel fez um daqueles típicos comentários, que são especialidade sua, de me deixar uma pulga atrás da orelha. Segundo ele; ao ver-me citar o nome de todos os músicos da "cena mangue" estampados na capa da Continente Multicultural Documento pra Luna (que tá em plena fase de querer saber o nome e o porquê de tudo); eu sei o nome de toda aquela gente como, por exemplo, Tina sabe o de atores de novelas, aquela coisa bem Quiz Show...

Essa pulga por sua vez caiu dentro do exemplar de "EU E TU", livro do filósofo/teólogo (e, a julgar pela foto da capa, eremita) Martin Buber, que eu venho lendo fragmentadamente nesses últimos dias... (vai ver que foi o balanço do ônibus).

O livro todo (tirando o ensaio introdutório) é uma projeção das relações existenciais/fenomenológicas (e metafísicas) fundamentais do homem: o "EU-TU" e o "EU-ISSO". O TU equivaleria à dimensão metafísica humana - a tal "coisa-em-si" kantiana, com a qual estamos sempre em contato mas cuidamos de encobrir com toneladas de juízos de valor, causalidade, tempo, espaço ... o que até certo ponto é extremamente necessário para nossa sobrevivência. Nessa dimensão, pulsa tudo aquilo com o qual, ao meu ver, as religiões tentam dialogar... tudo aquilo que ansiamos desfrutar um momentinho que seja - via êxtases - mas que escapole facilmente de nossas mãos. Assim, nossa tentativa de compreensão do TU fica desde já fadada às simplificações do reino do ISSO, que é justamente aquilo que chamamos de "realidade", que permeia toda a história humana como negação de um "estado paradisíaco inicial".

Até aí tudo bem, só que o grande problema da civilização está no total esquecimento do TU. E isso não nada a ver com o esquecimento da caridade ou solidariedade ou outros conceitos - a maioria deles cristãos - que, na maioria dos contextos em que são evocados, têm mais a ver com o egoísmo de seres "tementes ao julgamento divino" do que com o altruísmo propriamente dito.

Mas o que porra isso tem a ver com o lance lá em cima, do primeiro parágrafo ? Tem a ver com o fato de que, o que Gabriel me alertou (na verdade, zoou o barraco mermo) é justamente o reino do ISSO expandido, a ponto de se prescindir do TU que o originou - no caso, uma obra artística.

É bem verdade que essa é uma prática antiga que muito difícil desaparecerá da face da terra - se antigamente não existiam revistas Contigo (aí já é demais...), certamente o boca-a-boca encarregava-se de trazer "novas" que, boas ou más, são alimentos, alpiste para preencher o tempo e livrar-nos um pouco do tédio (escroto é constatar que, hoje em dia, parece que o tédio vem justamente disso tudo).

- As pessoas ficam simplesmente no verniz do verniz e o "conteúdo" que é bom, necas. (Esse discurso "vejam-como-o-mundo-está-mal" mesmo é um discurso pronto, apesar de contextualizado aqui, e não dá conta nem de um por cento do problema - que, por sua vez, é totalmente criado e alimentado por nós).

Mas também é inocência achar que não necessitamos desse pão e circo. No meu caso específico, acho que, se gasto muito de meu tempo lendo revistas ou sites de música pop, é simplesmente com o intuito de ter um apanhado de obras que vou querer me aproximar ou não (pro capitalista seria "do que vou querer comprar ou não"). Reconheço que tudo acaba sendo entulho, muitas vezes um grande simulacro que consciente ou inconscientemente irá fazer as pessoas consumirem e se acharem "cultas" ou "antenadas", mas esse foi o alpiste que escolhi pra mim. Hoje, posso pelo menos dizer que sem inocência. Alguns escolhem futebol, outros novelas. Eu escolhi a música pop. Dela anseio que seja-me mostrado o TU de, pelo menos, algumas obras.

Olhando pra tudo isto, serve-me de consolo o fato de que Luna, ao escutar os Beatles, por exemplo, ou qualquer outro som que seja, esteja mais próxima do TU que é a obra (pelo menos sonoramente) do que qualquer adulto "entendido".

E tu, provavelmente conheces mais do que eu, Gabriel... tu que dizes não saber nome de nenhuma dessas bandas mudernas que eu coloco pra tocar...

P.S.: Senhor Buberinho, perdoai-me pelas simplificações grosseiras...

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